A cultura do golpe

29/11/2013 09:34

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A cultura do golpe

Jaime Sautchuk *

Golpes de Estado sempre estiveram presentes na história do Brasil. A própria Independência da ex-colônia portuguesa não foi fruto de revolução popular, mas de um golpe da própria família real. E o mesmo ocorreu na derrubada do Império, com a proclamação da República que até hoje vigora.


Nossa gente se acostumou a relacionar a palavra golpe com ações militares. Desde a velha República até o mais dramático dos golpes, que implantou o regime militar em 1964, o substantivo “golpismo” e o adjetivo “golpista” pareciam fazer parte de algum dicionário exclusivo da caserna.

Este, contudo, é um grande equívoco. Militar nenhum faz golpe se não contar com o apoio político de setores da sociedade. Em nosso caso, a maior parte das elites sempre foi merecedora do adjetivo, por ser adepta do golpismo, com ou sem militares. Basta que seus interesses sejam ameaçados para que a democracia esmoreça.

Usam e abusam das instituições estabelecidas, sejam parlamentos ou instâncias judiciárias. E contam com as poderosas armas dos meios de comunicação de massa por elas controlados. Com estes, manipulam grande parte da opinião pública, que passa a respaldar ações rasteiras, desleais e, é claro, elitistas.

Com isso, ao longo dos séculos o golpismo passou a fazer parte da vida das pessoas comuns. Virou parte da cultura nacional. Seja de maneira subliminar, seja de forma escancarada, os conceitos éticos da lealdade e da solidariedade humana perdem cada vez mais o seu sentido, parecem coisa de filósofo grego.

Para termos uma visão clara de como esse processo acontece, podemos usar o exemplo da grande mídia. O tratamento por essa dado a um tema qualquer tem sempre dois pesos e duas medidas, aplicados sob o comando do pensamento das elites, que podem estar aqui, em solo tropical, ou nos Estados Unidos. Tanto faz.

No mais das vezes, a interferência é direta dos controladores, ou donos, dessa mídia e pode ser percebida no próprio vocabulário por ela utilizado. Um exemplo do Oriente Médio: o rei da Arábia Saudita é chefe de estado, já o presidente da Síria é ditador. A explicação para esse tratamento diferenciado é simples: o primeiro é alinhado com as políticas de Washington; o outro, não.
O pior, contudo, é que coleguinhas jornalistas incorporam essa dicotomia ao seu próprio linguajar. Na época do chamado mensalão, por exemplo, muitos profissionais desses veículos de comunicação passaram a agir como militantes políticos, cujo objetivo maior era a derrubada do governo do então presidente Lula.

Em muitos e muitos casos, no plano internacional, nacional ou local, portanto, a realidade é modificada de tal forma que a mais deslavada mentira é apresentada como a mais santa verdade. E isso acaba dando algum respaldo a golpes de grande envergadura, como esse da prisão de lideranças de um partido político, o PT.

Todos nós sabemos que, durante um período da ditadura, boa parte da grande mídia brasileira era editada pelo Palácio do Planalto. A relação de jornalistas com o chefe da Casa Civil do general Ernesto Geisel, o também general Golbery do Couto e Silva, chegava a ser promíscua. Poderia citar nomes de jornalistas da grande mídia que mandavam textos pra Golbery ler, antes de publicá-los.

Durante os governos de FHC, ocorria algo parecido. A linha editorial de muitos veículos e muitos jornalistas era ditada pelo próprio FHC e por outras lideranças tucanas, em especial José Serra. Essa influência não terminou com o fim do reinado tucano, de modo que muitos colunistas de meios de todas as modalidades seguem até hoje a orientação dessas “fontes”.

As recentes decisões do Supremo são visivelmente sectárias, antidemocráticas e, portanto, golpistas. Sem participação alguma de militares. A grande mídia e boa parte de seus jornalistas, por seu turno, nada investigam, nada questionam. Apenas batem palmas.

 

* Trabalhou nos principais órgãos da imprensa, Estado de SP, Globo, Folha de S.Paulo e Veja. E na imprensa de resistência, Opinião e Movimento. Atuou na BBC de Londres, dirigiu duas emissoras da RBS.